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Meu filho me confronta. E agora?

É importante entender a motivação e deixar que a criança reflita sobre seus sentimentos e suas atitudes para que os conflitos resultem em aprendizagens
Naira Passoni Naira Passoni Seguir Mai 12, 2020 · 10 mins leitura
Meu filho me confronta. E agora?
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Brincar e crescer são dois processos que demandam desobediência e é inevitável que, a qualquer momento, nossos filhos comecem a questionar tudo, a desobedecer nossas ordens e nos confrontarem. Em parte, isso faz parte do processo de crescimento e desenvolvimento deles. Mas é importante ficarmos atentos a alguns sinais para saber se é apenas algo comum de cada fase, como birra e desobediência, ou algo mais sério como TOD - Transtorno Opositor Desafiador, que precisa de tratamento e cuidados mais específicos. Mas como identificar essas diferenças?

De acordo com a psicóloga e Mestre em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano, Juliana Spinelli Ferrari Sinzato¹, existem diferentes etapas do desenvolvimento em que a criança testa os limites e tenta cruzá-los com mais frequência. É comum, por exemplo, ouvirmos falar sobre os “terríveis dois anos”, quando começam os primeiros sinais de birra. “Do ponto de vista do desenvolvimento, essa é uma fase em que a criança se sente super poderosa, pois está finalmente controlando seu corpo, aprendendo a perceber quando quer ir ao banheiro e decidir se vai ou não”, explica Juliana. “O mesmo acontece aos 5, aos 7 anos e, mais tarde, na adolescência. É importante entender que toda fase de transformação carrega um foco do indivíduo em si mesmo e, numa situação de desequilíbrio entre esse desenvolvimento e o ambiente, a criança ou o adolescente tende a privilegiar as próprias descobertas em detrimento ao que o mundo lhe apresenta como verdadeiro, relevante ou prioritário”.

Esse comportamento desafiador leva muitos pais a procurar ajuda nos consultórios de psicologia e, na maioria das vezes, eles estão confusos e perdidos em meio a essa situação. Mas, até que ponto o confronto pode ser considerado apenas reações típicas de uma determinada fase ou pode ser considerado algo mais significativo como, por exemplo, o Transtorno Desafiador Opositor, conhecido como TOD?

O Transtorno Desafiador Opositor é um distúrbio de comportamento que em geral é diagnosticado na infância. Pode afetar as meninas, mas é mais comum entre os meninos, em qualquer idade, em especial nas fases em que a criança tem saltos de desenvolvimento ou vivencia grandes mudanças em sua vida. “Os comportamentos mais comuns de uma criança que apresenta esse distúrbio são a falta de cooperação, a incapacidade de trabalhar em equipe, o desafio constante da regra geral e, na maioria dos casos, a hostilidade a figuras de autoridade como pais, professores e colegas mais responsáveis”, explica Juliana.

Entretanto, ela avalia que é preciso muita calma antes de pensarmos em TOD para todas as dificuldades de relacionamento com os filhos. “É importante tratarmos os confrontos como parte de qualquer relação, pois é preciso discordar, pesquisar e sustentar argumentos para aprender e se desenvolver. Isso exige esforço das crianças (e dos adultos também), e é muito cansativo, por isso elas tendem a desistir e jogar baixo em muitos momentos”.

Como identificar o TOD

Os sintomas de TOD, assim como outros transtornos, são bastante comuns. Por isso, à primeira vista é fácil inserir qualquer criança neste diagnóstico. Mas nem sempre é o caso. Para ser diagnosticada é preciso que uma criança manifeste todos ou quase todos os sintomas. É comum que crianças com TOD apresentem episódios recorrentes de:

  • Birra (que são reclamações irracionais);
  • Discussões frequentes com adultos e pessoas que tentam impor regras à elas;
  • Constantes recusas ao que as pessoas pedem;
  • Questionamentos constantes e intensos a todas as regras e normas do ambiente em que estão;
  • Tentativas insistentes de irritar ou provocar adultos e pessoas com autoridade ao seu redor.

Além disso, um traço marcante deste transtorno é a atribuição da culpa e da responsabilidade dos erros a terceiros, inclusive dos seus próprios erros. Nesse sentido, essas crianças se irritam muito facilmente e usam essa irritação para justificar seus atos que podem incluir violência verbal e física (quando diante de crianças mais novas) e a tendência a um comportamento vingativo.

Como se percebe, esses são sintomas que aparecem em qualquer criança em algum momento da vida. Para Juliana, portanto, antes buscar um diagnóstico, os pais precisam ter em mente o quanto isso ocupa do comportamento geral da criança. “Se ela é metade do tempo assim, não vejo que há motivo para preocupação. Se ela é assim o tempo todo é o caso de começar uma investigação mais cuidadosa”, explica.

O meio pode influenciar ou desencadear TOD em uma criança?

Há duas teorias predominantes em relação às causas do TOD. Uma do desenvolvimento e outra da aprendizagem. Do ponto de vista do desenvolvimento, as pesquisas sugerem que a origem está na dificuldade que a criança tem, quando muito pequena, em se desvincular de um adulto (pai ou mãe) com quem estava muito ligada. Por outro lado, há pesquisas que defendem que os comportamentos opositores e desafiadores são aprendidos ao longo da vida. Eles são uma reação da criança diante de maus exemplos do uso do poder, superproteção ou inconsistência (que é quando a criança apanha independente se fez algo certo ou errado e está sujeita ao “humor” do adulto). “Essas formas de relação com os adultos são problemáticas e tendem a aumentar a incidência de comportamentos desafiadores, pois elas permitem que a criança sempre consiga o que quer: atenção e reação de quem está no poder diante de qualquer mínima ação sua”, diz Juliana.

Se durante o diagnóstico não se descubram outros fatores, como desequilíbrio hormonal, proteico ou qualquer outro problema com a criança, o caminho para o tratamento deste distúrbio é a reeducação. O tratamento geralmente é realizado em conjunto por profissionais da saúde mental e da educação e demanda bastante esforço dos pais e outros adultos envolvidos. Terapias psicológicas como Terapia Cognitivo Comportamental são indicadas para que as crianças aprendam a controlar a raiva e se comunicar melhor. “A psicanálise também pode ajudar a ressignificar a relação da criança com os modelos de poder e com as situações de conflito, permitindo que elas experimentem novas saídas quando diante desses contextos”, afirma a psicóloga. “O tratamento de TOD envolve toda a família. Uma criança em tratamento é uma família em tratamento. Por isso, a terapia familiar também pode ajudar a mudar os padrões de relacionamento e trazer novas formas de organização e comunicação para o ambiente doméstico, especialmente em famílias com mais de um filho, em que a dinâmica entre irmãos é fortemente afetada”, complementa. Ainda de acordo com Juliana, medicamentos não são recomendados, tampouco eficientes no tratamento, com exceção se forem para tratar uma situação que está sobrecarregando a criança em seu desenvolvimento.

Como lidar com o esse comportamento

Para a especialista, a primeira coisa é os pais estarem atentos aos modelos de poder que oferecem para os filhos, pois as crianças aprendem com as ações e com os padrões de repetições dessas ações e não com palavras. No caso de uma crise, de um dia difícil, é importante reconhecer junto com a criança o que está acontecendo e abrir espaço para que ela traga a versão dela dos fatos ou a ideia que tem para a regra. “É comum que crianças desafiadoras não tenham uma versão própria de como as coisas deveriam ser, apenas querem que sejam de um jeito diferente do que existe”, diz. “Aqui é um lugar de aprendizagem e crescimento e que, como eu disse, requer esforço da criança - imaginar as coisas de outro jeito é muito exaustivo, por isso elas tendem a brigar sem muito fundamento. É importante estabelecer uma comunicação clara - as coisas são assim porque nós testamos de outras formas e não funcionou”. A dica, então, é estabelecer um diálogo com alguns questionamentos dirigidos:

  • “Você tem outra sugestão”?
  • “Ela é melhor que a nossa”?
  • “E de onde veio sua sugestão”?

A ideia é que, aos poucos, a criança perceba que é difícil formular regras:

  • “Que tal seguirmos essa regra até a gente achar outra melhor”?
  • “Vamos pensar o que queremos que aconteça e as melhores formas de chegar lá”.

As conversas são muito importantes. Mas a especialista alerta para os adultos tomarem um cuidado: ajudar a criança a entender o que está acontecendo com ela não é explicar o que ela sente. É preciso fazer perguntas que conduzam a uma reflexão:

  • “Você aprendeu alguma coisa nos últimos dias que não sabia antes”?
  • “Tem algo que você consiga fazer hoje que não conseguia ontem”?
  • “Quem mais consegue fazer isso aqui em casa”?
  • “Como você está se sentindo hoje”?
  • “O que está diferente agora em você do que estava antes? Dói em algum lugar do seu corpo”?
  • “Vou deixar você pensar e se tiver alguma ideia de como as coisas podem ser, vamos conversar sobre isso.”
  • “Se não quiser pensar sobre isso, vai seguir as regras, pois elas foram pensadas”.

A partir disso, a especialista diz que é importante o adulto se comportar exatamente da maneira como anunciou - deixar a criança pensar (em muitos casos, este é o momento do ápice da raiva da criança - ela pode chorar muito ou até tentar se machucar - um abraço firme e silencioso pode ser o contorno que a criança precisa). “Mais importante é não voltar atrás – a não ser que ela apresente um argumento razoável ou se mostre disposta a conversar – nesse caso, cabeça aberta para o que ela apresentar. Lembrando sempre que a razoabilidade de uma regra é medida pelo tanto de pessoas que fica feliz quando ela é aplicada”, explica Juliana.

Para finalizar a especialista afirma que é importante não chamar de transtorno o que é conflito, pois ele é muito importante no desenvolvimento de uma criança.

Quanto mais ela questiona, mais chances tem de se tornar uma pessoa com as habilidades fundamentais para a vida no século XXI — pensamento crítico, criatividade, cooperação e comunicação. «Juliana Spinelli»

Para isso, é importante atribuir um lugar de segurança e estabilidade para que os conflitos resultem em aprendizagens. Deixar espaço para o que é lógico, mesmo que isso não seja o que você tinha em mente, é fundamental. “Adultos abertos a mudanças despertam menos comportamentos desafiadores em crianças e adolescentes, pois transmitem segurança suficiente para analisar novas informações e se comportar de maneira diferente diante do novo. E é aqui que eles aprendem a viver melhor em sociedade”, conclui.

Se você se interessou pelo tema e quiser saber um pouco mais sobre o TOD, a especialista sugere o livro O reizinho da casa - Manual Para Pais de Crianças Opositivas, Desafiadoras e Desobedientes, escrito pelo Dr. Gustavo Teixeira, médico especialista em psiquiatria infantil, o canal do psicanalista Christian Dunker, que faz uma provocação interessante sobre o assunto e, ainda o filme Gênio Indomável que também aborda o tema.

¹ Juliana Spinelli Ferrari Sinzatto é Psicóloga, mestre em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP. Fundadora do projeto Teachers of the World, atua como Gerente de Desenvolvimento Educacional na Camino Education.

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Naira Passoni
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Mãe, jornalista, autora, produtora de conteúdo... Em busca de respostas para as dúvidas da maternidade e da vida profissional. Aqui, quero dividir com outras pessoas as experiências e expectativas dessa jornada incrível e complexa! 😉