A tradição oral de contar histórias é tão antiga quanto a própria civilização. Contar histórias foi a maneira que nossos ancestrais encontraram para traduzirem o mundo a sua volta, significar coisas e sentimentos e de perpetuar suas tradições. Algumas narrativas atravessam séculos e mantém vivas as memórias daqueles que nos antecederam. Basta olharmos para os mitos e para as lendas, para entendermos a importância das histórias contadas através do tempo.
E o que dizer dos “causos” de família? Quem nunca se espantou quando criança, de ouvir os mais velhos contando histórias, geralmente assustadoras, que mais tarde foram recontadas aos seus filhos? Essas histórias eram ouvidas, interpretadas e repassadas de geração para geração, sem registros escritos, apenas oralmente. E cada novo orador imprimia sua visão, sua interpretação e as repassava a novos ouvintes que, por sua vez, também visualizavam, elaboravam mentalmente as histórias a partir da sua própria interpretação. Assim, as narrativas eram enriquecidas, compartilhadas, perpetuadas.
Desde o início da escrita, passando pela criação da prensa de Gutemberg, chegando até as atuais tecnologias, a oralidade foi pouco a pouco sendo renegada a um segundo plano e, consequentemente, algumas boas histórias acabaram se perdendo no tempo. Mas há um movimento de educadores, escritores e profissionais ligados à literatura, como os contadores de histórias, para manter viva a tradição oral, principalmente diante de estudos que demonstram os benefícios que o ouvir histórias oferece para a infância, contribuindo para o desenvolvimento das crianças. Desta forma, o contar histórias vem ganhando força novamente.
O poder das histórias ouvidas na infância!
A cantora e contadora de histórias pernambucana, Carol Levy, concedeu uma entrevista para a jornalista Débora Freitas e o escritor Ilan Brenman, (autor de Até as Princesas soltam pum), onde destaca o poder das histórias contadas na infância. “A narrativa é um estímulo às crianças e por trás das páginas de um livro contado há um mar de possibilidades de desenvolvimento”, afirmou. “São muitas as possibilidades quando a gente se dispõe a contar uma história seja narrando ou lendo um livro. Obviamente são propostas diferentes, mas ambas devem ser feitas e possuem inúmeros pontos positivos, como o estímulo à imaginação através da história contada, narrada, troca de afeto, brincadeira, construção da moralidade, enfim…!”
Estudos mostram impactos positivos na aprendizagem e no despertar do gosto pela leitura de crianças que foram estimuladas por narrativas orais. Afinal, o primeiro contato da criança com as histórias estão relacionadas ao ouvir. É por meio da audição que elas percebem os sons das palavras, as sílabas, as entonações, as onomatopéias e constroem as imagens na sua imaginação, assim aprendem a pronunciar corretamente as palavras e se encantam pela literatura. E todo esse processo é carregado de ludicidade.
Como contar histórias
Muitas vezes pensamos que é preciso ser um escritor ou contador de histórias profissional para que as crianças fiquem encantadas com a narrativa, mas o fato é que educadores, pais e também outros familiares têm papel fundamental na experiência literária dos pequenos. O escritor Ilan Brenman destaca que não há nada mais especial para a criança do que uma história contada por um adulto significativo em sua vida. “Não há melhor contador de histórias no mundo do que um pai, uma mãe, uma avó, um tio para para contar histórias para a criança. São pessoas que fazem parte da vida delas e o fato dessas pessoas pegarem um pouco do seu tempo para contar uma história, com ou sem livro e compartilhar uma narrativa, é muito significativo para a criança”.
A arte de contar histórias faz parte da vida de Vanessa Maria Noga, conhecida como Bruxa Uxa. Vanessa é Pedagoga e há 25 anos trabalha em Bibliotecas. Há um ano e meio encanta crianças com suas histórias na Casa Encantada, um ponto cultural tradicional em Curitiba, onde simpáticas bruxinhas contadoras de histórias recebem as crianças, em horários marcados, para ouvirem suas contações. Sobre o contar histórias, Vanessa tem algumas dicas para quem quer se aventurar. “Ao ler uma história seguimos a obra no seu original, usando a linguagem escrita exata. Na contação usamos a linguagem falada com improvisos, adaptações, gestos e trejeitos, mas mantendo a estrutura da história”, diz. “O contador deve escolher histórias que envolvam a si próprio e o seu público, pode seguir um roteiro, usar recursos caso ache necessário e, o principal, é que o momento da contação deve ser sempre acolhedor”, complementa.
Para ela, mais do que um entretenimento, o seu trabalho contribui para o desenvolvimento infantil, tanto cognitivo quanto como cidadão. “A partir das histórias as crianças aprendem como administrar suas emoções, desenvolvem o autoconhecimento melhorando a maneira como relacionar-se com o próximo, influenciando o convívio social no dia a dia”, diz. “O que mais me encanta neste trabalho é ver o brilho nos olhos de quem está ouvindo a história, independente da idade. Mas cabe aqui valorizar também a interação, o encantamento e o incentivo à leitura que a contação de histórias promove”, finaliza a bruxinha.
A verdade é que a contação de histórias é uma tradição que vale a pena ser mantida e apresentada às crianças, porque ela faz bem tanto para quem é ouvinte quanto para quem é o contador. E você, já contou uma história para seus filhos hoje?
Este texto foi produzido em parceria com o 5ª edição projeto Dia Nacional do Livro Infantil #DNLI5